Minha saga como ‘Persona non grata’

Eduardo Loureiro, Managing Partner da DesignThinkers Group Brasil

publicado originalmente em https://dtgbrasil.medium.com/

Sou curioso por natureza, aliás, não por acaso, cheguei a fazer faculdade de História. Não cheguei a me formar, mas a paixão por entender o que está além da superfície permanece até hoje. E trabalhar com Experiência do Cliente (ou do Colaborador) só aumenta minha curiosidade de saber o porquê de determinadas situações acontecerem.

Mesmo quando sou eu o cliente da história, meu propósito de entender as causas e o contexto das insatisfações dos clientes dos meus clientes, acaba por contaminar minha percepção pessoal. É inevitável.

E o problema é esse. Quando sou o cliente insatisfeito, não consigo parar de pensar sobre o que aconteceu lá atrás da linha de visibilidade do serviço causando a queda da qualidade da minha experiência. Quando sou eu quem está esperando em uma fila interminável, ou recebendo uma encomenda atrasada, ou ouvindo desculpas inexplicáveis no call center, até tento deixar minha visão crítica de lado, mas nem sempre consigo.

A verdade é que nunca fui muito de reclamar de serviços ou empresas, muito provavelmente por ser tímido. Mesmo em situações em que eu tinha boas razões para tal. De uns anos pra cá, isso tem mudado e agora sempre que me abrem um ponto de contato de feedback, eu não deixo passar batido, seja para avaliações positivas, ou, e principalmente, para negativas. Tenho respondido cada uma das pesquisas de satisfação que me enviam, não importa o tamanho e o tempo que seja preciso dedicar para explicar com detalhes a minha percepção sobre como foi minha experiência com aquele serviço.

Aqui vale um parênteses. Essa mudança de postura e o início da minha jornada como “Persona non grata” começou com o Airbnb. Depois das primeiras experiências ruins com anfitriões desleixados ou lugares que não condiziam com as descrições e fotos, eu percebi o quanto os reviews das pessoas eram importantes naquele contexto. A partir disso, parei de alugar espaços que ninguém ainda tinha avaliado. E os que tinham, passei a ler cuidadosamente cada uma das avaliações. É o que mais pesa na minha decisão de ficar ou não com um espaço hoje em dia. E como valorizo tanto os tais relatos, logo após voltar pra casa, deixo as minhas percepções da forma mais detalhada possível, descrevendo como foi minha experiência naquele lugar, fatores e situações positivas e é claro, negativas. O curioso é que alguns anfitriões já reagiram mau às minhas avaliações, ao invés de obviamente tentar aprender e evoluir com os meus sinceros e detalhados relatos. Esse é justamente o ponto central desse texto, como veremos mais a frente.

Voltando as vacas frias, eu realmente fico feliz por ver o surgimento de mais e mais pontos de contato voltados para a avaliação de experiências dos clientes, pois se trata de uma atitude importante das empresas por trás dos serviços, no intuito de evoluir. Identificar o que está errado é o primeiro passo para quem quer melhorar. Isso mostra que mais e mais empresas estão se preocupando com a experiência de seus clientes, e como passei boa parte dos últimos 10 anos dedicado a esse movimento, fico satisfeito de ver isso acontecendo.

A lógica é simples. Receber feedbacks de clientes é, antes de tudo, uma oportunidade incrível de aprendizado.

O primeiro passo obviamente é criar meios para tal, os pontos de contato de coleta de feedback. Mesmo que seja de maneira genérica com uma pergunta fechada sobre como foi a experiência, que não permite entender as causas de eventuais problemas. Ou através de uma pesquisa mais estruturada, como um NPS (embora tenha críticas a forma forçada como geralmente é aplicado). Ou melhor ainda, um mix dos anteriores com uma pesquisa etnográfica, mais profunda e capaz de captar causas, percepções e comportamentos que outras técnicas de pesquisa não conseguem.

Porém, saber escolher a melhor forma de receber feedbacks e depois implementar é só o primeiro passo, e o mais simples na minha visão. O problema é como lidar com o que chega por estes canais. E se por um lado fico satisfeito com mais e mais canais de feedback sendo abertos, o que tenho percebido como cliente, é que várias empresas ou não sabem lidar com as opiniões que recebem, ou pior, lidam da pior maneira possível, confrontando, argumentando e se esquivando da culpa e qualquer custo.

Por exemplo, eu sempre recebo uma ligação do gerente da concessionária onde levo o meu carro, quando dou uma nota ruim no NPS que me enviam após algum serviço feito. Como de praxe é parte do processo deles abordar o cliente detrator, ou o que estou chamando de ‘Persona non grata’. Quando recebo essa ligação, fica perceptível que o gerente não gosta nem um pouco de fazer isso e se não fosse a obrigação do processo interno, ele com certeza não me ligaria. Ou seja, a interação, que em teoria deveria funcionar para reverter uma satisfação ruim apontada pelo cliente, já começa de forma negativa. E piora. Como só está seguindo o processo, e como eu, o detrator, no fundo sou uma pedra no sapato dessa pessoa, o que ela faz é questionar minha percepção, argumentar porquê as coisas não saíram como esperado, e inventar mil justificativas.

E a vontade de escrever este texto não nasceu de uma única experiência. Quase todas as interações que recebo após ter avaliado mau um serviço, tiveram mais ou menos a mesma essa natureza argumentativa e de falta de vontade genuína de aprender.

Duas consequências claras:

O cliente não só não muda sua visão, como se sente desrespeitado, o que na verdade, piora a situação.

E talvez mais importante que o primeiro ponto, pois influência, ou melhor perpetua o modo como a empresa vem prestando o serviço: perde-se uma valiosa oportunidade de aprender e evoluir.

Chegamos a questão principal desse texto. Feedback. Ou melhor, como lidar com feedback. E no geral as pessoas lidam mau com feedback. É claro que tem um fator cultural importante influenciando o grau com que esse comportamento acontece. Mas se hoje conseguimos situar isso no campo da cultura, quando éramos homens das cavernas, se tratava de uma questão de sobrevivência. Afinal, ser avaliado mau pela sua comunidade, poderia querer dizer ser rejeitado por aquele grupo. E naqueles tempos, viver isolado, sem a segurança de um bando, literalmente significava um atestado de morte.

Carregamos a aversão à rejeição como atributo social de forma evolutiva até hoje.

E como quase tudo, o que acontece em um contexto organizacional sem consciência coletiva de questões fundamentais, como a importância do feedback, é o comportamento dos indivíduos sendo amplificado de forma equivocada e se tornando a própria postura da empresa.

Hoje em dia, como indivíduos, diante de um feedback ruim geralmente assumimos três posturas:

  • Argumentamos em posição de defesa, às vezes, até mesmo sendo agressivos;
  • Evitamos conflito concordando com tudo;
  • Ou simplesmente fugimos da situação, evitando contatos posteriores.

Tente lembrar como te trataram, quando recebeu o contato de alguma empresa, depois de ter dado um feedback ruim, e perceba como geralmente são as mesmas três posturas que as empresas assumem. Mas existe uma quarta via, muito mais inteligente e estratégica, e estou falando dela o tempo todo até aqui. Aprendizado. Escutar de forma ativa e sincera o que o cliente tem a dizer, exercitando uma mentalidade empática.

Por último, quero deixar claro que não há um recado implícito aqui do velho e questionável ditado “o cliente tem sempre a razão”. Não quero com esse texto dizer, que as empresas devam acatar cegamente os pedidos ou reclamações de seus clientes. Aliás, essa é uma interpretação completamente errada do que significa ter uma estratégia de produto, de serviço, ou corporativa com foco na experiência do cliente.

O recado aqui é assumir o compromisso e perceber que, receber um feedback negativo é um privilégio, uma oportunidade de aprendizado. E o segundo passo, neste movimento ao qual me dedico a 10 anos, é fazer essa constatação e partir disso agir, de forma empática, mas sempre com estratégia.

Esse artigo foi escrito por Eduardo Loureiro, Managing Partner da DesignThinkers Group Brasil e da DesignThinkers Academy no Brasil.

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